A Canonização de Jacinta e Francisco Marto

Estátuas de Jacinta e Francisco Marto - Santuário de Fátima

J. M. de Barros Dias

No sábado, 13 de maio, dia em que se cumpriu o centenário das primeiras aparições marianas, em Fátima, o papa Francisco[1] presidiu à missa que canonizou Jacinta e Francisco Marto, os dois pastorinhos, pertencentes a  uma família humilde, que haviam sido beatificados em 13 de maio de 2000, por São João Paulo II. A realização da cerimônia de canonização, que contou com a participação de mais de meio milhão de fiéis, fora confirmada no dia 20 de abril, na sequência do Consistório Ordinário Público que secundou a decisão pontifícia de elevar aos altares católicos dois dos videntes da Cova da Iria, paróquia de Fátima.

No início da eucaristia, o bispo de Leiria-Fátima, António Marto, pediu ao sumo pontífice que inscrevesse Jacinta e Francisco no livro dos santos, tendo feito a apresentação biográfica das crianças. A missa, marcada pela presença das relíquias de Jacinta e Francisco – “uma mecha de cabelo da primeira e um fragmento ósseo do segundo” –, colocadas no altar, aos pés da Virgem Maria – foi marcada pela imponência e emoção da concelebração, que reuniu 3 Chefes de Estado (Portugal, Paraguai e São Tomé e Príncipe), 8 cardeais (3 portugueses), 135 bispos (47 dos quais integram a Conferência Episcopal Portuguesa) e cerca de 2 mil sacerdotes. Após a homilia, durante o cortejo do ofertório, o papa “abraçou e beijou os pequenos Francisco e Jacinta, dois irmãos, filhos de um casal argentino, que foram assim batizados em homenagem aos pastores”.

Segundo testemunhas oculares, Nossa Senhora, que apareceu aos irmãos Jacinta (1910-1920) e Francisco (1908-1919), assim como a sua prima Lúcia (1907-2005)[2], pastores naturais de Aljustrel, Ourém, a cada dia 13, entre maio e outubro de 1917, fez apelos constantes para o incremento da fé, esperança, conversão e orações pela paz. Por outro lado, a Virgem revelou às crianças um segredo, dividido em três partes, que hoje conhecemos como sendo uma visão do Inferno, com cenas da II Guerra Mundial, a ascensão e queda do marxismo-leninismo na União Soviética, e o presságio da tentativa de assassinato de São João Paulo II, em 1981[3]. Atualmente, de acordo com o papa Francisco, “no crer e sentir de muitos peregrinos, se não mesmo de todos, Fátima é sobretudo este manto de Luz que nos cobre, aqui como em qualquer outro lugar da Terra quando nos refugiamos sob a proteção da Virgem Mãe para Lhe pedir, como ensina a Salve Rainha, ‘mostrai-nos Jesus’”.

Se o milagre que levou à beatificação de Jacinta e Francisco, atribuído à intercessão dos irmãos, foi reconhecido em 22 de junho de 1999[4], aquele que abriu o caminho para a canonização foi reconhecido em 23 de março passado. Ele diz respeito a Lucas Batista, uma criança brasileira residente em Juranda, Estado do Paraná, que, na época, tinha cinco anos. Em 5 de março de 2013, a criança brincava com a irmã, em casa do avô, “quando caiu por acidente de uma janela de cerca sete metros de altura, sofrendo um grave traumatismo crânio-encefálico, com a perda de material cerebral”. Em coma, Lucas foi operado de emergência. Se sobrevivesse, ele “viveria em estado vegetativo ou, no máximo, com graves deficiências cognitivas”. Contudo, inexplicavelmente, “após três dias, o menino recebeu alta, não sendo constatado nenhum dano neurológico ou cognitivo”. Mais tarde, no dia “2 de fevereiro de 2007, uma equipe médica deu parecer positivo unânime sobre o caso, como ‘cura inexplicável do ponto de vista científico’”. De acordo com informações agora divulgadas pela Rádio Vaticano, “no momento do incidente, o pai da criança havia invocado Nossa Senhora de Fátima e os dois pequenos beatos. Na mesma noite, os familiares e uma comunidade de irmãs de clausura haviam rezado com insistência, pedindo a intercessão dos pastorzinhos de Fátima”.

De acordo com as declarações do padre Carlos Cabecinhas, reitor do Santuário de  Nossa Senhora do Rosário de Fátima, à Catholic News Agency, “de certa maneira, a canonização ajuda a dar credibilidade às aparições e à mensagem de Fátima”. Para o padre Cabecinhas, a canonização “tem este valor: não só dois santos na Igreja, mas dois santos que nos desafiam a olhar para a mensagem de Fátima e a compreender que Fátima é também uma escola de santidade para cada um de nós”. Por outro lado, falando sobre a razão que leva os peregrinos a visitar Fátima, Carlos Cabecinhas referiu que é, “sem dúvida”, porque “eles procuram uma forte experiência com Deus, um forte encontro com Deus”. Por outro, sublinhou o reitor, “isto é específico de Fátima”, pois as pessoas que se deslocam até ao Santuário “vêm para ter uma forte experiência com Deus, elas vêm para ter uma mudança em suas vidas e, muitas vezes, esta é uma experiência que transmitem”.

Santa Jacinta e São Francisco Marto são as primeiras crianças, na história da Igreja Católica, a alcançarem os altares mundiais graças a um milagre e não devido ao martírio pessoal. Com eles acaba de ser reconhecida a simplicidade da vida que lhes foi dada viver e a firmeza das convicções que nutriram o seu cotidiano infantil. Nelas, à cabeça, a Igreja acabou de coadjuvar a rejeição, pelos irmãos da Cova da Iria, do Portugal da I República, dominado pelo racionalismo, o positivismo e o messianismo pátrio[5] –, a par do papel da Rússia soviética, na Europa e no mundo.

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 Imagem:

Estátuas de Jacinta e Francisco Marto no Santuário de Fátima.

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 Fontes consultadas:

[1] Ver:

Fátima registrou, até hoje, a presença de 4 papas: Beato Paulo VI (13 de maio de 1967), São João Paulo II (12 a 15 de maio de 1982; 10 a 13 de maio de 1991; 12 a 13 de maio de 2000), Bento XVI (11 a 14 de maio de 2010) e, agora, Francisco (12 a 13 de maio de 2017).

[2] Ver:

Freira da Ordem das Carmelitas Descalças, conhecida como Irmã Maria Lúcia de Jesus e do Coração Imaculado e, popularmente, como Irmã Lúcia, Lúcia de Jesus dos Santos foi a autora do segredo de caráter profético, dividido em três partes, fruto das revelações feitas pela Virgem Maria. As duas primeiras partes – a visão do Inferno; a devoção ao Imaculado Coração de Maria e a conversão da Rússia – foram reveladas em 1941. No ano 2000 foi divulgada a terceira parte, que é uma visão profética, comparável às da Sagrada Escritura, que sintetiza e condensa, sobre a mesma linha de fundo, fatos que se prolongam no tempo, numa sucessão e duração não especificadas.

Cf. P.e LUÍS KONDOR (Compilação) & JOAQUÍN M. ALONSO (Introdução e notas), Memórias da Irmã Lúcia I, 13.ª ed., Fátima, Secretariado dos Pastorinhos, 2007, 238 pp.

Disponível online:

http://www.pastorinhos.com/_wp/wp-content/uploads/MemoriasI_pt1.pdf

CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ, A Mensagem de Fátima.

Disponível online:

http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/documents/rc_con_cfaith_doc_20000626_message-fatima_po.html

 [3] Ver:

A terceira parte do segredo de Fátima foi divulgada publicamente, no Santuário de Fátima, pelo cardeal Angelo Sodano, secretário de Estado do Vaticano, em 13 de maio de 2000.

As teorias da conspiração, entretanto vindas a lume, defenderam a existência de censura do Vaticano à mensagem original, afirmando que o texto vindo a público se encontra truncado.

Em 21 de maio de 2016, a Sala de Imprensa da Santa Sé divulgou um comunicado em que se desmente que o cardeal Joseph Ratzinger tenha falado, alguma vez, com o Prof. Ingo Dollinger – a quem se atribuiu a autoria das declarações acerca da incompletude do “terceiro segredo de Fátima” entretanto publicado.

Cf. REDAÇÃO, “Comunicato: A Proposito Di Alcuni Articoli Relativi al ‘Terzo Segreto di Fatima’”, Vaticano, Bollettino – Sala Stampa della Santa Sede, 21.05.2016.

Disponível online:

http://press.vatican.va/content/salastampa/it/bollettino/pubblico/2016/05/21/0366/00855.html#S

[4] Ver:

Depois de um exame minucioso de Maria Emília Santos, realizado em Roma sob a direção dos professores Machiarelli, Romanini e Santoro, foi reconhecida, por unanimidade, a cura desta mulher como inexplicável pela medicina, na reunião do Conselho médico da Sagrada Congregação para a Causa dos Santos, presidida pelo professor Rafael Cortesini e realizada em 28 de janeiro de 1999. o caso foi seguidamente submetido a exame pelos consultores teológicos, em 7 de maio de 1999, e depois à opinião dos cardeais e bispos desta mesma Congregação, em sessão ordinária de 22 de junho de 1999, em ambos os casos com re[s]posta afirmativa sobre o fato de saber se se tratava de um milagre divino. Finalmente, o decreto da S. Congregação para a causa dos Santos, reconhecendo a cura de Maria Emília Santos como milagre de Deus obtido pela intercessão dos dois pastorinhos de Fátima, foi promulgado, por ordem do Santo Padre, em 28 de junho de 1999. Este decreto possibilitou a beatificação das duas crianças que, assim, vão tornar-se os bem-aventurados mais jovens da história moderna da Igreja. Este título pertencia anteriormente a São Domingos Sávio, que morreu pouco antes de fazer 15 anos.

[5] Ver:

JOAQUIM DOMINGUES, “Visão Messiânica do Advento da República”, Revista Portuguesa de Filosofia, Braga, Faculdade de Filosofia, Tomo XLVI, Fasc. 4, X-XI.1990, pp. 479-512.

 

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