Não Precisamos do WhatsApp

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J. M. de Barros Dias

Vivemos, atualmente, sob o signo da pressa, não sob a pressão da qualidade da comunicação interpessoal. Há algumas décadas atrás, para distinguir a modernidade da tradição introduziu-se o conceito, hoje em desuso, de “snail mail”, o “correio caracol”. Naquela época – coisa de há vinte anos, mais ano, menos ano – os “antigos” escreviam cartas e enviavam cartões postais para dizer onde estavam e como se encontravam; os “modernos”, em contrapartida, enviavam e-mails àqueles que já estavam conectados, em rede, portanto.

A crescente aceleração dos estilos de vida e o contributo das tecnologias da informação, ao dispor de cada um de nós, introduziu um implícito social coletivo: temos que ser rápidos. Deste modo, esse recurso de outras eras, o correio eletrônico, é, atualmente, coisa de gente velha, pobre, sem dinheiro. Aqueles que vivem na crista da onda pós-moderna disseminaram o WhatsApp. O que é isto? Ele é um aplicativo, destinado a enviar e a receber mensagens curtas, curtíssimas, até. Ao receber uma mensagem, o destinatário é notificado por intermédio de um chilreio que, povoando o mundo, mantém em comunicação ultra-rápida milhões e mais milhões de criaturas.

O que tanto tem que falar essa gente? Nada. Em rigor, nós estamos ante o maior fenômeno mundial de “bavarderie”, de conversa jogada fora. Se, por um lado, as novas tecnologias permitem, ao indivíduo, a aparente anulação do tempo e do espaço – nós temos namoradas em Hong Kong, Nova Iorque e Kuala Lumpur sem nunca termos saído de Pindamonhangaba… –, elas nos situam ante o abandono existencial. Com efeito, em face do fracasso de uma mole de relações afetivas, de projetos pessoais falidos e da ausência coletiva do sentido da vida, muitos de nós optámos por “viver o momento”. Na angústia do abandono, os “WhatsApper” chilreiam anunciando que estão alegres, tristes, enfadados, que estão almoçando, defecando, rindo de morrer. Tudo isso, contudo, não expressa senão um enorme vazio. Essas mensagens, que se sucedem a um ritmo incessante, nascidas no âmago do “carpe diem” enfadado, morrem praticamente no tempo em que nasceram ou, talvez, até antes. Elas são, na verdade, a ilustração patética da “communicatio interruptus”.

Nós não necessitamos de comunicação veloz, cada vez mais desaustinada. Neste sentido, o WhatsApp não passa de um devaneio, tido por algo coletivamente necessário. Na verdade, nós não precisamos do WhatsApp. Martin Buber, um filósofo outrora muito apreciado, falava da relação intersubjetiva como sendo algo eminentemente humano, que se estabelece, sempre, entre um “eu” e um “tu”. Neste tipo de relação, que é a relação humana por excelência, há várias dimensões: o comprimento, a largura, a altura, a sensibilidade, o espírito, também. Se dispensarmos a telinha e seus inenarráveis chilreios, talvez reencontremos o humano que há em cada um de nós. Concederemos, então, àqueles que vivem conosco, a dignidade que eles têm. E eliminaremos, de nossas vidas, as fantasias tecnológicas que têm promovido, de maneira ridícula e patética, a alienação coletiva.